RIACHOS I

Quando em meados do século XVI, Afonso Fernandes, Riacho de alcunha, escolheu o sítio dos Casais dos Riachos para se fixar, estávamos num tempo em que era muito vulgar aparecerem nos registos paroquiais referências a escravos. Em cerca de quatro décadas aparecem, apenas na freguesia de Santiago, dezenas de registos em que são mencionados escravos, mais especificamente referindo baptismos de filhos de escravas. Nos tempos em que a localidade nascia, ali ao lado na quinta da Várzea, era vulgar a menção a escravos. No caso do Afonso Riacho apenas existem referências a criados. É claro que a designação de criado servia perfeitamente para designar aqueles que eram libertados da escravatura e que continuavam a servir os mesmos senhores. Até ao século XX era vulgar chamar criados aos indivíduos que trabalhavam toda a vida para o mesmo senhor, por exemplo nas quintas à nossa volta. Não sendo escravos, de facto, estavam ligados à casa onde trabalhavam como se isso fosse “da sua natureza”.

Porém tudo parece indicar que o espírito existente nos casais dos Riachos fosse convidativo para indivíduos que esperavam encontrar um lugar onde pudessem trabalhar livremente e, como alguém disse, se o que faz uma localidade é o local e o local é generoso de recursos, então as pessoas acabarão por chegar e a localidade irá prosperar. Era tempo de imigração.

Nos séculos XVI e XVII os primeiros imigrantes são, na sua maioria, naturais de lugares do próprio concelho, por exemplo, Brogueira, Alcorochel, Minde, Carreiro da Areia, Árgea, Lamarosa, Assentis, Gateiras, Valhelhas, Zibreira ou do corpo da própria vila, ou de concelhos vizinhos (Tomar, Chamusca, Golegã, Azinhaga, S. Vicente do Paúl, Atalaia).

A partir dos finais século XVII começam a aparecer famílias de alguns concelhos mais distantes (nomeadamente Ourém, Leiria, Pombal, Penacova, Soure, Ansião, Penela) que, se ligaram às já existentes no Espargal.

Até à primeira metade do século XX, antes de ser introduzida a mecanização na agricultura, era usual a grande movimentação de pessoas que, vindas dos concelhos a norte, procuravam trabalho na zona das lezírias do Tejo e depois, naturalmente, quando calhava encontrarem “parceiro”, por aqui ficavam… 

RIACHOS II

Depois do golpe de estado que pôs fim à dinastia dos Filipes, em Dezembro de 1640, sucederam-se os inevitáveis confrontos militares com os espanhóis. Nessa altura, para fazer face às despesas da chamada guerra da Restauração, foi criado o imposto extraordinário da Décima, taxa anual de 10%, que foi relançado em 1762 por D. José I e a que ficavam sujeitos todos os indivíduos e todas as espécies de bens e imóveis (casas, terras, gados, moinhos, lagares, etc.) e todos os rendimentos, quer fossem de ofícios, salários, pensões, rendas, foros, juros ou lucros da indústria e do comércio. De tal forma que apenas ficavam isentos os órfãos que não tinham fazenda e “outras pessoas tão pobres e miseráveis que se não sustentem de outra cousa que de esmolas

A informação que ficou registada permite-nos conhecer a área que correspondia à vintena dos Riachos em 1770. O juízo de vintena era a primeira instância local da justiça, derivando o seu nome do facto de existir um juiz por cada grupo de 20 fogos (vizinhos), no entanto, verifica-se no caso dos Riachos, bem como na generalidade das outras vintenas, que a jurisdição se referia a uma determinada área geográfica sem ter em conta o número de fogos. O juiz e os eventuais auxiliares eram eleitos localmente e recebiam da câmara uma delegação de poderes para decidirem nas disputas entre os moradores. A área da vintena dos Riachos começaria na estrada da Malã, aos portões do Raposo, ou seja a entrada para a quinta de Carvalhais, e daí seguia para sul, entre o dito caminho da Malã e o rio, até aos limites actualmente existentes, excluindo o casal da Volta e o casal do Lavra, passando pelas terras da quinta do Minhoto e pelo casal da Comenda, entrando no campo pelo Murtal, seguindo pela estrada das Cordas até à Comendadeira junto ao rio. 

A quinta de Carvalhais “que consta de casas, páteo, terra de pão, olivais e matos, anexo à mesma possue os casais dos redondos e outras terras…” era incluída, naquela época, no capítulo designado por “Arrabaldes da Vila”, onde era, igualmente, incluída a quinta de Valada. As descrições das terras vizinhas à quinta de Carvalhais, sugerem que esta se estendia pelas charnecas da Costa Brava (ou de Carvalhais) e dos Casais Novos, limitada a norte pela Ladeira do Pinheiro, a nascente pelos Casais Castelos, Casal Marcos Ferreira e Casal das Flores, e a sul pela Malã, um caminho que me faz sentir saudades e que jaz debaixo de uma coisa que é conhecida pela variante da  EN243, no troço entre a rotunda dos bois e a da Agromais.

O resto da área da freguesia estava incluída na vintena do Espargal, que ia dos casais Castelos até aos Casais Formigos e às Vendas e a sul estendia-se desde o casal das Flores, ao longo da Malã, até ao casal da Volta e acrescentando o casal do Lavra.

Entretanto, a capela dos Riachos (1656) contaria mais de cem anos e a população na área da actual freguesia já tinha triplicado, atingindo o total um pouco superior a quinhentas pessoas. A freguesia, tipicamente rural, apresentava, de acordo com os registos da Décima de 1770, indivíduos com ofícios específicos:

- Camila Maria, uma viúva que tinha em sua casa uma venda de vinho e azeite.

- um ferreiro,que tinha vindo da Gouxaria.

- quatro sapateiros.

- um carpinteiro.

- um barbeiro e  Oficial de Sangrador. Para quem não souber, acontecia naqueles tempos que um barbeiro era também uma espécie de médico que exercia toda a espécie de pequenas cirurgias, desde tirar um dente, tratar de um calo ou fazer sangrias em doentes com doenças infecciosas com o propósito de lhes renovar o sangue.

- doutros ofícios também relacionados com a vida do campo, são relatados um feitor, um maioral, um abegão, dois pastores de ovelhas, nove que eram tributados pelo trabalho de enxada, e vinte singeleiros que, na linguagem do escrivão, eram tributados pelo “trabalho com dous bois”.

A figura central da nossa terra era então o doutor Francisco António de Sousa Cid que era dono da quinta do Minhoto, do Lagar Novo, do casal da Raposa, da quinta e moinhos do Porto da Várzea.

 

CASAIS CASTELOS

Diz Artur Gonçalves na sua obra Mosaico Torrejano1, “Estão os Casais dos Castelos situados actualmente na freguesia de Riachos e antes na de Sant´Iago. Pluralização de Casal do Castelo, que deve seu nome ao facto de naquele sítio ter existido em remotas eras um castelo, cuja origem se ignora... O povo diz comummente Casais Castelos, suprimindo a preposição, como faz a Casais Galegos, Casais Romeiros, etc.”.

A referência mais antiga respeitante a estes Casais, diz que “Aos dezasseis dias do mez de Janeiro de mil e seis centos e setenta e oito anos faleceo Emgracia Rodriguez viúva de Manoel Fernandez Castello morador no espragal no cazal do Castello...”.

Vamos considerar que esta família foi a fundadora da povoação ao estabelecer aí um casal que, naturalmente, adoptou o nome do seu primeiro proprietário, para concluir que afinal o castelo que existiu, em remotas eras, no sítio desses Casais foi o Manuel Castelo, e, ao longo dos tempos, à medida que se sucederam as gerações dos Castelos, os registos foram-lhe chamando Casal do Castelo, Casal dos Castelos e Casais dos Castelos, o que parece ser uma sucessão pura e simplesmente lógica.

De facto, desde 1678 os Castelos mantiveram aí vários ramos descendentes da família “fundadora” e, apesar de na segunda metade do séc. XIX ter ocorrido uma significativa transferência de famílias para o lugar dos Riachos, no início do séc. XX os Castelos estavam representados em pelo menos 12 das quase 40 famílias residentes nos Casais.

Entretanto o lugar já servia de referência no mapa dessa época, como comprovam registos do tipo “Casal de Marcos Ferreira dos Casais dos Castelos” ou “Casais Redondos dos Casais dos Castelos”.

LAGAR NOVO

Por volta de 1754,o doutor Francisco António de Sousa Cid, da quinta do Minhoto, terá mandado fazer um lagar no sítio que, por acaso do destino, conserva ainda o topónimo de Lagar Novo. Eu sei que acaso e destino são a mesma coisa. Mas, segundo me disseram, terá sido mesmo por um acaso, um acaso do destino, que um nome com mais de duzentos anos não foi parar ao lixo. Adiante, vamos ver como surgiu o nome.

“Em os doze dias de Março de mil setecentos e cinquenta e quatro anos baptizei... a José filho legítimo de Luís Antunes e de sua Mulher Maria Rodrigues naturais desta freguesia e moradores ao Lagar novo...”  e, à margem do assento, o padre acrescentou “Casal do Lagar”. Não diz o registo aonde fica este Lagar novo e no assento do baptismo de mais um filho daquele Luís Antunes, em 1762, aparece simplesmente “... moradores no Casal novo...”. Finalmente, no ano seguinte, aquando do casamento da filha mais velha do mesmo Luís Antunes, o assento diz que “... se receberam José Rodrigues [Castelo]... do lugar dos Riachos... com Isabel Maria filha de Luís Antunes e de sua mulher... moradores no casal do Lagar novo, limite do lugar dos Riachos e também desta freguesia...”. 

Ficamos, sem qualquer dúvida, a saber que se trata do mesmo Lagar Novo que nós conhecemos, ali junto à estação, confirmado em 1765, “... baptizei... Ana filha de Manuel António natural da quinta do Melo junto aos Riachos... foram Padrinhos António Lopes Sapateiro morador no seu casal novo junto ao Lagar do Dr. Francisco António...” e em 1773, “... baptizei a José filho de António Lopes [Sapateiro] e de sua Mulher Venância Maria... moradores no seu Casal junto ao Lagar Novo por baixo dos Riachos... foram Padrinhos Manuel Rodrigues dos Riachos e Maria Joaquina Mulher de Manuel Pereira da quinta do Minhoto...”.

Até cerca da década de 1830 apenas se registam eventos relacionados com descendentes das famílias dos ditos Luís Antunes e António Lopes. A partir de então, com a chegada do comboio, o lugar cresceu rapidamente até atingir cerca de 30 famílias nos finais daquele século.

Para além das quintas do Minhoto e do Melo, aparecem referidos para as bandas do sul, os seguintes casais (entre parêntesis a data da primeira ocorrência nos registos paroquiais da freguesia de Santiago):

•          Castelo Velho (1539) e Porto da Várzea (1540).

•          Casal da Raposa “ao porto da Várzea” (1674).

•          Casal do Seco“que era o dos Apóstolos junto à quinta do Minhoto” (1668).

•          Casal da Fonte do Pote (1671), Casal do Magro (1690) e Casal da Volta (1756).

•          Casal do Lavra (em 1704 designado por casal do Desembargador e em 1722 chamado casal de Manuel Lopes do Lavre).

•          Casal dos Pinheiros (1638) e Casal das Maias, “junto ao casal dos Pinheiros” e que veio a ser incluído no Lagar Novo (1728).

 

(www.oriachense.pt - Apontamentos e textos retirados do jornal “ O Riachense “ da rubrica “somos todos primos” da autoria de Carlos Manuel Pereira)